segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Especialista em marketing explica qual a melhor maneira de conviver com a queda de consumo

O jovem Cláudio Tomanini queria ser médico. Para pagar a escola, foi atrás de uma atividade que não precisasse de qualificação e desse algum dinheiro, sem ter horário ou responsabilidade. O emprego: vendedor. Cláudio se apaixonou pelo emprego e o sonho da carreira médica foi abandonado. Trabalhando no laboratório farmacêutico Johnson & Johnson, ele percebeu que vender não era só uma atividade, mas uma profissão na qual se precisa entender de economia, administração, gestão de pessoas, arquitetura – segundo ele, uma área com uma visão ainda mais holística do que a medicina.

Hoje especialista em marketing e vendas, Cláudio Tomanini é formado em Ciências Contábeis e em Publicidade e Propaganda, com pós-graduação em Vendas e Marketing e em Comunicação Dirigida, e mestrado em Semiótica. Só no ano passado, deu 75 palestras em todo País, além de ser professor de MBA da Fundação Getulio Vargas, onde dá aula de gestão de marketing e de gestão de vendas. Com três livros publicados, Cláudio explica que para vencer na crise o varejo precisa se antecipar a ela e oferecer serviços diferenciados aos clientes. “É preciso gerar conforto para que o cliente queira ficar mais tempo dentro da loja, independente se é um posto de gasolina ou um botequim. Ou ele faz isso ou você vai estar fora”, garante.

Revista do Varejo - De que forma a crise está afetando o varejo?
Cláudio Tomanini - Se fala muito disto, quase como uma desculpa pra falar o seguinte: se der alguma “caca” eu já estou salvaguardado porque estamos em crise. Se eu for incompetente, não sou eu que sou incompetente: é a crise que está me afetando. Só que os empresários começaram a acordar para isso. O que a gente antes demorava oito meses pra distinguir eles aprenderam a digerir em semanas, talvez em um mês, dois. Vamos entender uma coisa: a crise, efetivamente, sempre foi nos Estados Unidos. É óbvio que isso afeta o mundo inteiro, mas em proporções diferentes. O terremoto foi lá, aqui a gente sente a reverberação. Daqui pra frente, o que nós teremos – e é uma questão de obviedade isso – é cada vez mais gente vendendo. Ou seja, o número de concorrentes aumenta, e o número de compradores não vai aumentar. Crise? Não. O que nós vamos precisar é de muito mais competência para competir nesse mercado. Porque se antes eu tinha a opção de vender pra dez, agora vou ter a opção de vender pra seis. Vou ter que ser muito mais profissional, mais eficiente, porque o grande poder está com o consumidor.

RV - Como as empresas se movimentam nesse cenário?
Tomanini - As empresas aprendem a ser mais flexíveis; para ser mais flexíveis elas têm que ser mais eficientes, senão o custo operacional aumenta. Portanto, os consumidores receberão mais atenção e vão escolher com base naquele serviço, uma vez que o preço está virando uma reles commodity. Voltei recentemente dos Estados Unidos e não vi essa adequação e essa rapidez em gestão para crise como nós temos. Eles estão mais ou menos no mesmo processo, dizendo que estão em crise. Nós, no Brasil, aprendemos o conceito de competição há não mais do que 12, 14 anos, e somos mais rápidos.

RV - Quais são os cuidados que os varejistas devem ter em mente nesse momento delicado?
Tomanini - Algumas coisas são regras absolutas pra empresa, é uma questão de competição. Primeiro, ele vai ter que reavaliar o seu negócio. Saber o que é a sua competência, de onde vêm seus clientes. Pela primeira vez, estou vendo os empresários conversarem e falarem “eu preciso mudar a minha gestão de vendas”. Olha a linguagem: mudar a minha gestão de vendas. Não estou falando de multinacional, estou falando de um cara que tem 8, 10 funcionários. O varejo pequeno começa a entender que precisa se reciclar, e rápido; que não adianta contratar atendente, ele vai ter que contratar um vendedor ou um consultor de negócio; ele vai ter que saber o que tem de diferente dos competidores dele, dos concorrentes.

RV - De onde vem essa consciência de que as pequenas empresas precisam de planejamento?
Tomanini - Em 1999 entramos em um período mais recessivo com aumento do dólar. Ele custava US$ 1,10 e chegou a quase US$ 4. Com a vinda do Lula, teve uma classe social que entrou de novo no ambiente de consumo por causa da facilidade de crédito. Tivemos um boom de consumo, e isso foi até agora. As empresas terão que ser mais eficientes porque tem mais gente comprando, só que será uma compra mais seletiva.

RV - E isso passa por treinamento dos funcionários, entre outras medidas?
Tomanini - O varejista vai ter que entender de verdade qual é a filosofia de negócio dele. Vai ter que contratar pessoas que sejam compatíveis com o DNA da empresa, monitorar já não mais quanto que eles vendem, mas o quanto entra de clientes potenciais pra quem eles não vendem. Essa é a grande sacada. Não avaliar só o ticket médio, isso já foi, passou a ser padrão. Tem que avaliar quantos estão entrando e quantos não estão comprando, e dos que não estão comprando tirar a questão preço. Isso virou desculpa de gerente, de vendedor. É mentira. Nós não compramos por causa do preço. Um exemplo dessa verdade são as Casas Bahia, que todo mundo sabe que não vende mais barato, mas vende facilidade de crédito – e é o varejo que mais cresce.

RV - E no pequeno varejo, qual a importância do atendimento personalizado?
Tomanini - Essa é a grande diferença. O pequeno varejo não vai ter grande poder de compra. Se não tem grande poder de compra, vai ter que mapear o seguinte: quais são as grandes incompetências do maior varejista, onde é a deficiência dele? Ah, ele tem produto, variedade e preço. O que não tem que o cliente gostaria de ter? É exatamente aí onde está o mapa da mina, em fazer aquilo que o grande não tem. Não é o maior ou o mais rápido que vai sobreviver, é o que melhor se adaptar às mudanças, porque essa mudança é definitiva.

RV - É todo um contexto, o varejista precisa prestar atenção em todas as áreas da loja?
Tomanini - Certamente. Ele vai ter que pensar agora em ergometria, em iluminação. Vai acabar aquele negócio de você entrar na loja pequena e o ar condicionado estar desligado porque a vendedora não gosta do ar frio. Tem que ser harmônico para o cliente que está vindo de fora. O lojista vai ter que entender que se não ele não der conforto para o cliente, ele não vai ficar muito tempo dentro da loja. Vai embora porque não está confortável. Uma máquina de café hoje custa muito barato. Ofereça um café, uma água. Isso não é atributo de loja chique, é muito barato. Isso começa a separar joio de trigo, separa o cara que abre a porta e aquele que prepara o negócio.

RV - O que os empresários devem fazer para incutir esses novos conceitos na cabeça dos vendedores?
Tomanini - As empresas funcionam pelo exemplo de cima. O líder diretamente vai ter que ser mais eficiente, acordar mais cedo. O que nós temos que entender é o seguinte: o consumidor é um convidado, ele está entrando na nossa loja por livre-arbítrio. E o que você faz quando uma pessoa visita nossa casa? A gente não deixa a roupa suja, cueca largada no meio do quarto. A gente usa os melhores talheres, deixa a casa toda arrumada. Então não tem mais esse negócio de cliente da casa. O cliente da casa, pelo contrário, tem que ser mais bem tratado ainda. O varejo tem que parar com aquela coisa de você entrar em uma loja e falarem “pois não”. Que “pois não”! “Seja benvindo, o meu nome é Tal, qual é o seu nome?”. A apresentação formal específica tem que acontecer. O colaborador tem que aprender a servir, mas não ser serviçal. Isso é claríssimo, todos têm que aprender a passar para os funcionários. Não precisa de escola, precisa de cultura do empresário para aprender isso, que ele pode ser um multiplicador com a sua equipe.

RV - Que outras atitudes podem ser tomadas?
Tomanini - Inaugure a loja todo dia. O gerente, dono, abra a loja como se fosse o primeiro dia. Passe paixão, tesão pro pessoal de vendas. Lembre todos os dias qual é o papel dele, que é de servir e não de ser subserviente, de primeiro entender pra depois atender. É falar do que foi realizado no dia anterior: “olha, ontem nós conseguimos tal resultado e o Renato foi o cara que melhor vendeu, e vendeu com margem, com lucrativididade”. Se você não quer dar prêmio, pelo menos fale: que “Tal” fez com resultado melhor, que “Tal” conseguiu trazer mais rentabilidade. Outro aspecto que ele vai ter que fazer todo dia é lembrar pra todos qual é o papel daquela loja, o que ela tem de diferente dos seus competidores e fazer seu grito de guerra. É falar: “Gente, é isso que nós estamos aqui, é pra essa batalha que hoje nós vamos abrir a loja. Você está aqui todo dia, mas esse cara que vai entrar está aqui pela primeira vez. E nós temos que tratá-lo como nosso convidado, e não simplesmente como mais um que está entrando na loja”.


Fonte O Empreendedor

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