segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Design como diferencial

A especialista em design diz que o varejista precisa desenvolver uma cultura de design e investir na imagem da loja.


Há uma grande distância entre o que uma empresa é e o que ela parece ser. Para a especialista em design Lígia Fascioni, trata-se de uma questão de identidade versus imagem. Formada em Engenharia Elétrica, Lígia tinha isso em mente quando decidiu fazer doutorado em design, sete anos atrás. Misturando conceitos de engenharia com comunicação, ela se propôs a medir numericamente a distorção entre a identidade de um empreendimento e a imagem que as pessoas têm dele. Quando o doutorado acabou, as empresas que fizeram parte da pesquisa vieram procurá-la: queriam saber como resolver os problemas de distorção que ela mesma diagnosticara.
Ali nasceu o método GIIC (Gestão Integrada da Identidade Corporativa), que Lígia já aplicou em 21 empresas. Hoje, após publicação de dois livros relacionados ao assunto, ela dá cursos e palestras sobre gestão de design em todo o País, além de prestar consultoria para empresas. Nesta entrevista, Lígia fala sobre como o design pode ajudar os varejistas a se destacarem no mercado e comenta os erros mais comuns que os empresários cometem na gestão.
Revista do Varejo – No mercado varejista o design é hoje um diferencial ou uma necessidade?
Lígia Fascioni – É uma necessidade para se diferenciar. Se você não quiser se diferenciar, não precisa de design. Toda empresa tem uma identidade, que é um conjunto de atributos que faz com que ela seja diferente das outras, que seja especial. É preciso traduzir esses atributos para o mundo, materializá-los para que as pessoas percebam. Isso se faz com design. O ambiente da loja deve refletir os atributos, a forma como o mobiliário está organizado, a forma como as pessoas são recebidas, a marca gráfica. O consumidor monta essa imagem como se fosse um quebra-cabeça. Quem fornece as peças é a empresa e eu preciso do design para construí-las. Quando as peças são distribuídas sem controle, a imagem que é montada é confusa, o cliente não sabe quem é essa empresa.

RV – Muita gente pensa que investir no design da loja é coisa para as grandes redes, com muitos recursos financeiros. Existem maneiras de os pequenos varejistas utilizarem essa ferramenta de forma prática e acessível?
Lígia – As pessoas muitas vezes associam design com sofisticação, coisas caras, bom gosto – com estética somente, sem contar o projeto e o conceito do negócio. O pequeno varejo tem que descobrir o que ele tem de diferente dos outros, quais são os seus atributos. O atendimento personalizado do “Seu Zé” da padaria, a limpeza absurda que tem no estabelecimento dele. Ele está há 20 anos com a padaria e é igual. É isso que ele deve transmitir, isso que as pessoas têm que reconhecer. Eu posso transmitir isso com o design na marca da padaria. Os elementos gráficos não podem ser excessivos, eles têm que comunicar limpeza. Pode parecer um detalhe absurdo, mas as pessoas interpretam isso no subconsciente e formam uma opinião baseada nessas peças. Todos esses elementos vão contribuir para que as pessoas construam uma imagem daquela padaria que é diferente de todas as outras. Agora, se o Seu Zé acha tudo isso uma besteira, ele perde a oportunidade de se diferenciar. Ele pode estar gastando muito dinheiro, utilizando mal os recursos dele, que muitas vezes são poucos. O design pode ajudá-lo a se destacar, a comunicar melhor quem ele é. Com isso é possível fidelizar a clientela e adquirir credibilidade, porque as pessoas passam a confiar mais naquela marca.

RV – Como profissional da área, como você percebe a receptividade dos empresários quanto à necessidade de ter um projeto bem estruturado de design?
Lígia – Quando a gente fala em design para os empresários, eles pensam “ah, é para fazer minha loja ficar bonitinha”. Na verdade, a estética é apenas uma das “pernas” do design. Tem mais duas – o conceito e o projeto. Não é só beleza. Tem conceito: por que aquele objeto foi concebido dessa maneira? Como seu cliente vai interagir com esse objeto? Ele vai gostar? Que tipos de sensações ele vai ter? Essas questões devem ser respondidas por profissionais qualificados. Não dá para pedir para o sobrinho fazer a marca da empresa porque não significa que uma pessoa que sabe mexer em uma ferramenta tenha os conceitos. Essa é a diferença. O sobrinho vai fazer uma marca bonitinha no computador que o dono vai gostar, mas ele pode estar contradizendo fortemente a essência do negócio e prejudicar a empresa sem nenhum dos dois saberem. Ele está manipulando coisas que não conhece e pode traduzir idéias que não sejam desejáveis ou verdadeiras. É um risco muito grande. Fazer design é mais trabalhar com conceitos do que propriamente com ferramentas.

RV – Esse é o principal problema do design no pequeno varejo?
Lígia – Um dos principais é a falta de entendimento do conceito, que é complexo. Então é perfeitamente admissível que os empresários desconheçam a importância do design. O segundo problema é que eles sempre acham que isso é muito caro, que é um gasto, não um investimento. Eles não conseguem perceber a diferença entre uma marca que o sobrinho fez de graça e uma que o designer cobrou para fazer, o quanto essa pessoa teve que estudar para traduzir aquele símbolo que ficou tão simples. Alguns empresários até têm noção de que precisam de um designer e contratam uma pessoa para fazer o site, outra para fazer a marca, outra para fazer o uniforme. As coisas não se encaixam. Então esse é o problema, não há uma visão de conjunto, como o design pode influenciar na empresa. Esse conceito se chama “gestão do design”: como eu vou usar o design como ferramenta de gestão dentro da empresa, não apenas pontualmente. O ideal seria ter uma pessoa que orientasse onde o design pode ajudar na empresa. Depois, o empresário pode estabelecer prioridades em uma ordem em que não desperdice dinheiro e consiga aproveitar os recursos da melhor forma possível nas condições que ele tem.

RV – Além de fidelizar clientes e comunicar de forma mais clara o conceito da loja, que outras vantagens um bom projeto de design no varejo pode trazer?
Lígia – Primeiro é a consolidação da marca institucional. Se alguém perguntar o quanto vai lucrar a mais se contratar um design para fazer sua marca, eu não terei esse número. A consolidação da marca é uma coisa intangível, é a construção daquele quebra-cabeça na mente das pessoas. Tem todo um preconceito da empresa que o consumidor faz baseado em cada uma das “pecinhas”. Tem loja que a pessoa nunca entrou porque não vai com a cara, porque tem alguma coisa naquela loja que não gosta, a peça não se encaixa. Lojas, por exemplo, que gastam uma fortuna para colocar no outdoor “somos inovadores, inovação é aqui”. Você chega lá e a pessoa preenche a nota fiscal à mão. Onde tem inovação nisso? Aquela peça que ele gastou uma fortuna, que é um outdoor, não se encaixa em nenhuma outra. Ele pagou para complicar a imagem dele. Outro exemplo é uma loja extremamente formal. Seus clientes gostam dessa característica e, se ela ficar bem clara, atrairá um nicho de mercado que se identifica com isso. Se o dono da loja de repente achar que ser formal não está mais na moda e tentar contradizer o que é a essência do negócio, ele não vai se sustentar. Se a loja finge ser o que não é, vai afugentar as pessoas que gostariam que ela fosse formal e não atrairá as pessoas que gostam de informalidade porque aquilo é obviamente falso. O conhecimento da sua própria identidade é uma questão estratégica em toda empresa.

RV – E isso acaba se refletindo nas vendas?
Lígia – Com certeza. As pessoas vão se sentir atraí das, porque se passa uma imagem coerente. Quem gosta daquela característica que a loja tem se sentirá atraído e identificado. As vendas vão aumentar. Você atinge nichos de mercado justamente enfatizando uma característica que é sua de verdade, para que aquele público que se identifica venha em busca do que você tem para oferecer. Mas o que muitas empresas tentam fazer hoje é agradar a todo mundo. Isso é impossível. Vai desagradar a quem poderia agradar e vai terminar não agradando a ninguém. Fica ali flutuando no meio-termo, sem identidade definida e com uma imagem completamente confusa.

RV – Quais os primeiros passos para o varejista que quer investir em design?
Lígia – O primeiro passo seria fazer um curso ou então adquirir essas informações de alguma outra maneira. Depois que o empresário tiver essa noção geral terá condições de planejar como ele quer aplicar o design na empresa, por onde começar, o que é mais prioritário. Claro, se ele tiver uma noção de marketing ajuda bastante. Trata-se de uma nova ferramenta de gestão. E sem nenhum conhecimento é difícil aplicar qualquer ferramenta.

RV – Aqui no Brasil, quais varejistas têm bons projetos de design?
Lígia – Em geral os maiores, porque têm profissionais mais qualificados para fazer isso. As joalherias geralmente são bem coerentes no design, porque elas sabem que precisam passar credibilidade ao cliente. Sem um design é difícil ter credibilidade.Lojas de roupas também precisam cuidar mais do design porque têm muitos concorrentes. As marcas com uma identidade mais definida podem cobrar um pouco mais porque distribuem as pecinhas de maneira que todo mundo conhece e sabe o que esperar. Se eu sou a “Loja da Dona Mara”, ou eu construo muito bem a distribuição das minhas peças para que as clientes sejam atraídas ou eu coloco uma portinha lá e fico apenas sobrevivendo. Eu não cresço. Ela era sacoleira, montou uma lojinha, faz 20 anos que a lojinha está na garagem da casa dela e não se desenvolve, não se constrói como marca. O único jeito de sair do quintal de casa e ir para o mercado é com design. Não tem outro caminho. Depende da ambição do empreendedor, se ele quiser vender pastel na feira o resto da vida... E olha que mesmo no pastel da feira dá para implementar design e atrair gente de toda a cidade para comer naquela barraca. Não depende da natureza do negócio, nem do tamanho. Depende do varejista se quer ou não consolidar sua marca.

RV – É verdade que existe um certo preconceito dos designers em trabalhar no varejo?
Lígia – Não é contra varejo, é contra empresas que não querem investir. Se uma pessoa fez um curso de design, durou quatro anos, estudou semi-ótica, comprou um monte de livros, ela não vai fazer uma marca por R$ 100. Não tem cabimento. E o varejista às vezes diz: “Você quer me cobrar tanto, mas o meu sobrinho faz por menos. Se eu posso fazer um site por R$ 100, por que vou pagar R$ 3 mil?” Então não é um preconceito contra varejo, é um preconceito contra o pequeno empreendedor, que não consegue perceber a diferença. Muitos deles são teimosos, acham que sabem e ignoram os argumentos do designer. Aí é mais fácil chamar o sobrinho mesmo porque ele não está usando os conhecimentos da pessoa que contratou. Esse tipo de desgaste que os designers sofrem eles reclamam muito. Mas é desconhecimento de quem contrata e geralmente no pequeno empreendimento acontece isso mesmo, por falta de cultura do empreendedor. Não é cultura geral, é cultura do design.


Fonte: O Empreendedor

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